JONES ABREU SCHNEIDER

JONES ABREU SCHNEIDER
e-mail para contato:
atorjones@gmail.com

domingo, 15 de novembro de 2009

Cabaré das donzelas inocentes

Foto de Anderson Brasil
TEXTO DE SÉRGIO MAGGIO

Cabaré das donzelas inocentes, peça que está em cartaz no CCBB de Brasília, joga ao chão a máscara do glamour e do fetiche sem perder a poesia dos personagens de um prostíbulo.


Por Ricardo Daehn/Correio Braziliense

Ao pisar em território virgem — uma nova instalação do Centro Cultural Banco do Brasil — quatro das mais renomadas atrizes de Brasília, a partir de hoje (em sessão para convidados), responderão por desafio genuíno proposto pela peça Cabaré das donzelas inocentes. No palco, as personagens de três prostitutas e de uma cafetina, cada uma imersa nos seus dissabores, convidam espectadores (a partir de amanhã) para a identificação com os dramas relatados.


“Ser prostituta é apenas uma das matizes nessas inúmeras cores presentes na vida delas”, conta Catarina Accioly, atriz que, ao lado da colega Adriana Lodi, se mobilizou para concretizar a montagem da estreia na dramaturgia feita pelo jornalista Sérgio Maggio, do Correio. “A verdade cênica foi construída a partir da verdade de cada uma de nós, enquanto mulheres, independente da profissão das personagens”, explica a atriz Bidô Galvão, tarimbada por 30 anos de palco. “A ideia foi fugir do que seria esperado de se discutir dentro de um cabaré. Trata mais da ausência do glamour, do fetiche. A decadência do humano é o aspecto mais abordado”, demarca Adriana Lodi.



As questões humanas se projetam à frente do discurso de cada uma das intérpretes. “Minha personagem (Minininha) sofre de amor, por ter sido rejeitada, na condição de mulher apaixonada. No texto, aparece a fragilidade, mesmo com a virulência presa ao discurso de cada uma das personagens que, mesmo com embates fortes, ainda se ligam por bela fraternidade”, avalia a atriz Carmem Moretzsohn, outra veterana dos palcos locais. Nos bastidores, todas as envolvidas saúdam o trabalho de direção de Murilo Grossi e William Ferreira, integrados ao círculo de amigos que compõem a equipe. “Eles capturaram a questão da sexualidade, mas com o pesar das marcas que a sexualidade, enquanto profissão, traz”, define Adriana Lodi, há 11 anos “recheada por aventuras teatrais”.


Idealizada ao longo de quatro anos — tendo por base o livro-reportagem Conversas de cafetinas, sedimentado por 11 anos de pesquisas de Sérgio Maggio —, Cabaré das donzelas inocentes alinha personagens como Cabeluda (papel a cargo de Catarina Accioly), vítima de exploração sexual dentro do ambiente familiar, e Saiana (Lodi), amparada pela companhia de um facão que lhe garante a defesa num mundo desestruturado. Lésbica, Minininha — a postos para chamar clientes — vem enriquecida por loucura (adendo de Carmem Moretzsohn) que embaralha a plateia quanto à realidade ou ao plano da fantasia.


“Cuidamos de manter uma dose de sensualidade. Mesmo sem nudez em cena, acho que nós quatro, nos ‘desnudando’ de uma forma nova. Estou com uma postura diferente, muito despudorada, ao falar. A linguagem está muito forte. Não amenizamos os palavrões, enfatizados. Mas, não poderia ser de outra maneira”, explica Moretzsohn.


Desgastadas
Com o diferencial de assumir, orgulhosa, a prostituição como uma escolha de vida, Saiana dispõe de um repertório de brutalidades. “As personagens estão um pouco em estado de decomposição. Daí, ocupar um espaço alternativo (antes, um antigo depósito), que está em construção e abriga 100 pessoas, agregou muito para as personagens, pelos ensaios num local ainda um pouco abandonado”, aponta Adriana Lodi. No enredo da peça, enquanto Saiana assume a escolha da profissão, a rejeição de experiências sexuais desencaminha Cabeluda. “A personagem enfrenta a vida, com o refúgio na bebida. Chamá-la de alcoólatra seria moralismo”, observa Catarina Accioly, que define a peça como “uma sequência de dores, mas em que cabe o humor, mesmo não sendo uma comédia”. “É tão trágica que chega a ser engraçada”, diz.


Figura paradoxal em Cabaré das donzelas inocentes, a cafetina China ganha forma em Bidô Galvão, que apresenta uma contradição vivenciada: “Ela é a dona daquele espaço (o cabaré) que já não existe mais. Ainda tenta controlar algo que já fugiu ao controle”. Bidô comenta que há o contraponto entre o imaginário visto na tevê (associado ao Nordeste, em novelas como Tieta) em relação à contemporânea realidade das prostitutas, numa função que foi dissolvida. “Elas se tornaram obsoletas, e isso propicia vasculharmos em algo perdido no tempo e no espaço. Tratamos de um universo atemporal, em que valores de hierarquia e moral são questionados”, conclui.


CABARÉ DAS DONZELAS INOCENTES
Centro Cultural Banco do Brasil (SCES, Tc. 2, Cj. 22; 3310-7087). De amanhã a 6 de dezembro. De quinta a sábado, às 21h, e domingo, às 20h. Direção: Murilo Grossi e William Ferreira. Texto: Sérgio Maggio. Com Adriana Lodi, Bidô Galvão, Carmem Moretzsohn e Catarina Accioly. Ingressos, R$ 15 e R$ 7,50 (meia, estendida para professores, maiores de 60 anos e correntistas do Banco do Brasil). Não recomendado para menores de 16 anos.

J.Abreu

J.Abreu